sábado, maio 10, 2008

O petróleo é caro porque é escasso.


Vale a pena ler este artigo (ver original) de David Strahan (autor de "The Last Oil Shock") publicado no "The Daily Telegraph":

«[.....] dificilmente far-lhe-à justiça. Esta semana viu os ministros a encarnarem a personagem do Cabo Jones apelando à calma em relação à greve na refinaria de Grangemouth; os camionistas protestavam em Park Lane sobre o aumento de dois “pence” no imposto sobre o combustível; e muito justa indignação acerca da dimensão dos lucros apresentados pela Shell e BP. Todas estas manifestações falham o alvo. Estas matérias são insignificantes comparadas com o esgotamento/depleção global do petróleo, em relação à qual tem havido viragens claras para pior no último mês.

A ideia segundo a qual as companhias petrolíferas são de algum modo “culpadas” pelos preços record do petróleo e os custos crescentes do combustível é sedutora mas absurda. Apesar de todo o seu poder e lucros, as companhias petrolíferas multinacionais estão de facto em apuros. Podem ainda nadar em liquidez, mas já não em petróleo. Apesar do significativo investimento em exploração e produção, nos dias de hoje são, em geral, incapazes de substituir o petróleo que produzem anualmente com novas descobertas, ou até de manter os níveis correntes de produção. A produção de petróleo da Shell tem vindo a cair desde há seis anos, a da BP terá atingido o pico em 2005, e esta semana até a todo-poderosa Exxon foi forçada a admitir que a sua produção caiu 10% no primeiro trimestre do ano.

Nada disto surge como surpreendente já que todos os indícios sugerem agora que o mundo está a aproximar-se rapidamente do “pico petrolífero”, o ponto em que a produção global de petróleo entra em declínio terminal por razões geológicas fundamentais. A descoberta anual de petróleo tem vindo a cair desde há mais de 40 anos, e actualmente por cada barril encontrado consumimos três. A produção de petróleo está já a diminuir em 60 dos 98 produtores mundiais – incluindo a Grã-Bretanha, onde a produção atingiu o pico em 1999 e já caiu para menos de metade. Quando um determinado país atinge o pico de produção isso é relevante apenas para ele – a Grã-Bretanha tornou-se um importador líquido de petróleo em 2006 – mas quando a oferta global começar a encolher os efeitos podem ser ruinosos para todos.

Os analistas dividem o mundo produtor de petróleo em dois: a OPEP e o resto. Existe um amplo consenso que a produção de petróleo fora da OPEP atingirá o pico ou pelo menos estabilizará por volta de 2010. O presidente executivo da ExxonMobil, Rex Tillerson, disse o ano passado que o crescimento da produção extra-OPEP chegaria ao fim em “dois a três anos”. Essa avaliação parece agora ainda mais certa.

Desde o virar do século a produção de petróleo extra-OPEP tem sido sustentada apenas por grandes aumentos na Rússia, o maior produtor mundial, à medida que os oligarcas que controlam a indústria investiram milhares de milhões no reapetrechamento dos campos de exploração que tinham sido deixados à deterioração depois do colapso do comunismo. Mas agora os ganhos fáceis esgotaram-se e as taxas de crescimento afundaram. Este mês, Leonid Fedun, um administrador de topo da Lukoil, a segunda maior petrolífera russa, afirmou que a produção do país atingira o pico e nunca voltaria a exceder os níveis actuais “no seu tempo de vida”.

De modo que agora dependemos da OPEP como nunca, e isto explica os crescentes clamores de funcionários/governantes ocidentais para que o cartel aumente a produção. Mas muitos suspeitam que a OPEP não poderia aumentar a produção mesmo que o quisesse – não por muito, pelo menos – e poderá também atingir o pico brevemente. Há muito que existem dúvidas acerca da verdadeira dimensão das reservas oficiais da OPEP, que parecem ter sido falseada e maciçamente inflacionadas durante os anos 80 quando os seus membros competiam por fatias maiores do novo sistema de quotas. E há agora preocupações crescentes acerca de alguns dos mais significativos produtores da OPEP.

Ainda na semana passada, a Arábia Saudita, o maior exportador mundial, anunciou que todos os planos para expandir a capacidade de produção de petróleo para além de 2009 tinham sido congelados. O ministro do petróleo justificou a decisão invocando que, dadas as perpectivas económicas, não haverá procura para a oferta adicional – o que é aceitável mas improvável. Mesmo os moderadamente cépticos suspeitarão que a opção não foi inteiramente voluntária.

Na Nigéria, o maior produtor de África, a produção já caiu 20% devido a ataques frequentes de rebeldes do delta do Níger. Mas agora um relatório recente de conselheiros do governo para o sector da energia concluíu que, mesmo que o investimento se mantenha a níveis actuais “a produção total de petróleo e gás diminuirá cerca de 30% em relação ao níveil actual por volta de 2015”.

O membro da OPEP que indubitavelmente tem vastas reservas de petróleo por explorar é o Iraque, mas aqui o contínuo morticínio e o falhanço em acordar uma nova lei regulando a produção de petróleo e gás torna qualquer aumento para breve muito improvável.

Nestas circunstâncias não é surpresa que o preço do petróleo tenha disparado para níveis recorde – quase 120$ no início da semana - nem que muitos agora prevejam um salto adicional para os $200, incluindo o Comissário para a Energia da UE, o presidente da OPEP, e analistas financeiros da Goldman Sachs. O que é surpreendente é o número de pessoas aparentemente inteligentes que se agarram a explicações fantasiosas para a alta do preço do petróleo, como a especulação e a fraqueza do dólar.

Não haja dúvidas que estes factores desempenham um papel, mas o simples facto é que a produção global de petróleo – incluindo fontes não-convencionais, biocombustíveis e restos de óleos de cozinha – manteve-se essencialmente ao mesmo nível desde princípios de 2005. Durante três anos a oferta de petróleo tem sido um jogo de soma nula em que, se um país consome mais, outro tem que consumir menos. Como grande parte do crescimento da procura provem do mundo em desenvolvimento e dos próprios membros da OPEP, a procura por petróleo continuará provavelmente a crescer apesar da recessão no Ocidente. É a escassez que torna os “futuros” sobre o petróleo tão atractivos para os investidores .

E no entanto, a previsão central do governo Britânico é que o petróleo venha a custar $57/barril em 2010 e caia para $53 por volta de 2020. Esta absurda predição/previsão é incompreensível até que se considerem as realidades políticas: ainda mais que as alterações climáticas, o pico petrolífero exige que os governos confrontem os eleitores com verdades desconfortáveis que terão impactos sobre os seus padrões de vida. Em Whitehall (referência ao governo), as pernas permanecerão cruzadas e os rabos pregados enquanto os políticos e funcionários rezam para que isso não aconteça no seu final de mandato, ou antes de obterem a suas pensões indexadas à inflação.

De modo que o sítio da net de Gordon Brown proclama despreocupadamente “... os recursos mundiais de petróleo e gás são suficientes para sustentar o crescimento económico num futuro previsível”, apesar de toda a evidência em contrário. No entanto, talvez ele o possa afirmar com alguma confiança; pelo modo como as coisas vão, o seu futuro previsível não é de todo assim tão longo.»
Tradução realizada por mim.

2 comentários:

Carlos Borges Sousa disse...

Zé,
Excelente análise.
É, provavelmente, por ser tão leviano – na previsão quanto aos recursos naturais … e não só respeita(m) - que Gordon Brown caminha para onde “caminha”; os resultados das recentes eleições autárquicas são, e para já, a prova provada disso mesmo …

José M. Sousa disse...

Adiantaste-te :) ; ainda estava a testar umas coisas; pensei que tinha descoberto como pôr o "Ler Mais..." mas foi falso alarme.

Esta análise também nos assenta como uma luva:

As previsões para o preço do petróleo contidas no Programa de Estabilidade e Crescimento 2005-2009 pág. 73 do PDF, quadro 6, última linha, embora certamente já revistas, revelam uma total incapacidade para planear a longo prazo; não podem vir dizer que não sabiam porque em 2005, por exemplo, a ASPO teve a sua conferência anual em Lisboa e foram convidados membros do Governo.