Aproveito o incentivo dos comentários do Miguel Carvalho a “Priceless, nem tudo tem um preço” para escrever um pouco mais sobre "Priceless - On Knowing the Price of Everything and the Value of Nothing"
Este livro analisa especificamente a problemática da aplicação da análise custo benefício à avaliação das leis e regulamentos que visam proteger a saúde, a segurança e o ambiente. Este ponto é muito importante. Não se trata de comparar duas opções de investimento diferentes, por exemplo. Por outro lado, é claro que nem todos os economistas seguem os mesmos métodos. Um dos autores do livro é economista, Frank Ackerman.
Passando aos comentários.
A Economia – seja a corrente neoclássica ou keynesiana - também é normativa Os pressupostos que conduzem a uma ou a outra têm subjacentes juízos de valor sobre o que se deve ou não fazer.
Infelizmente a generalidade dos economistas valoriza pouco – ou simplesmente desconhece - o contexto histórico em que muitas teorias emergem, e ganham um estatuto de verdade científica. Por exemplo, a teoria das vantagens comparativas, (supostamente “economia positiva”) de David Ricardo, que alguns consideram uma das mais brilhantes de sempre da teoria económica : “deepest and most beautiful result in all of economics” (citado por Daly) surgiu num determinado contexto (geo)político-económico. O próprio Ricardo era, neste caso, um político no sentido usual do termo, para além de ser um investidor. Além disso, era também nacionalista. A teoria que desenvolveu – aliás baseada num exemplo envolvendo Portugal – sendo brilhante, assentava sobre uma hipótese muito conveniente. Esta teoria foi muito importante para acabar com as “Corn Laws.”
"The anti-Corn Law campaign was crucially helped by the economist, politician and stock-market player, David Ricardo. Ricardo came up with the theory of comparative advantage that still forms the core of free trade theory» In “Bad Samaritans – the guilty secrets of rich nations & the threat to global prosperity"
”Neoclassical economics, with its subjectivist theory of value”
«Since the classical economists were nationalists [...]»- Herman Daly
Não se trata apenas de serem maus economistas. Os exemplos dados em “Priceless” (três significativos podem ser lidos online) não são excepções. Nesses exemplos, da vida real, demonstra-se um enviesamento sistemático para relevar os custos e subestimar os benefícios. No debate sobre os impactos económicos das alterações climáticas, economistas influentes revelam uma incompreensão impressionante sobre o tema, aplicando este tipo de análise que ignora os fundamentos da ciência. William Nordhaus (não se trata de um economista qualquer; é co-autor com Samuelson de um dos mais importantes manuais de economia) é um deles, como é o influente Larry Summers, ex-presidente de Harvard e actual presidente do Conselho Económico Nacional de Obama.
"William Nordhaus, who said that global warming would have only a small effect on the U.S. economy because basically only agriculture is sensitive to climate, and agriculture is only 3% of total value added, of gross national product.» in “Beyond Growth”
Não é preciso ser-se muito instruído para perceber o absurdo disto. Joe Romm (físico) chama a este tipo de economistas, “Voodoo Economists”, e com razão. Lomborg é outro que, não sendo economista (embora seja frequentemente referido como tal) recorre sempre a uma série deles para justificar ACB absurdamente reducionistas.
Felizmente, há excepções. Recentemente, um economista de Harvard veio admitir a incapacidade das ACB para avaliar o problema:
"Weitzman’s bottom line: If you don’t factor in plausible extreme-impact scenarios — and the vast majority of economic analyses don’t (this means you, William Nordhaus and you, too, Richard Tol — your analysis is worse than useless. It is delusional. Pretty strong stuff for a Harvard economist!”
As escolhas políticas são precisamente aquelas que não devem recorrer a análises de custo-benefício simplistas. Estas resultam, em regra, de comparações entre valores monetários. As escolhas políticas devem ter em consideração um espectro mais largo. Por isso é que são politicas! Como referem os autores de "Priceless", a política de defesa não está sujeita a uma análise estrita de custo benefício, porque o que está em causa é a segurança, e a opinião pública não aceitaria decisões tomadas apenas por esse tipo de critério.
As preferências pessoais, ou mais genericamente, o que é válido do ponto de vista individual, nem sempre pode ser extrapolado para obter preferências colectivas. Aplica-se aqui o conceito de falácia da composição.
“In 1951, Kenneth Arrow proved that the results of democratic decision making cannot be reproduced by a mathematical formula. This crucial result, known as “Arrow's Impossibility Theorem”, derailed earlier attempts by economists to represent society's choices by a “social welfare function” - a quantitative description of what society supposedly prefers. Arrow's proof has not been refuted, tough it may have been forgotten, in the rush to apply cost-benefit analysis”
Existem outros critérios, como por exemplo, a contribuição da ciência e a participação pública através do sufrágio universal (por exemplo, referendos) ou de sondagens onde cada opinião tem o mesmo valor, e não com o tipo de inquéritos típicos da ACB, como a "contingent valuation".
No entanto, os autores de “Priceless” não rejeitam totalmente as ferramentas da ACB.
"Much of the information used in an atomistic analysis would also be relevant in what we call the holistic approach, where costs as a whole (usually monetary) and benefits as a whole (often largely nonmonetary) are considered together – but are not forced to be expressed in the same units.”
O confronto entre escolhas do tipo: "imaginemos que há um medicamento que salva a vida de alguém e custa 1000€. Todos concordamos nisso. E se custar 1 milhão de euros?”, é típico. Recorre-se a casos extremos para fugir a uma análise mais fina.
«To say that life, health, and nature are priceless is not to say that we should spend an infinite amount of money to protect them.Rather, it is to say that translating life, health and nature into dollars is not a fruitful way of deciding how much protection to give to them»
Em muitos casos, o confronto é entre algo vital e algo fútil (ler exemplo do “phoneslaughter”). Andar de automóvel para tudo e para nada ou usar aquecimento em exagero para obter um conforto total é uma futilidade comparado com as consequências que advêm do “Pico Petrolifero” ou das Alterações Climáticas. No entanto, interesses instalados bloqueiam mudanças de comportamentos invocando frequentemente ACB.
O argumento do mercedes vs corsa. É verdade que as pessoas aceitam riscos, mas normalmente são riscos que elas podem controlar (as pessoas conhecem os riscos do tabaco, mas podem decidir deixar de fumar). O psicólogo Paul Slovic concluiu que as pessoas receiam mais os riscos associados ao desconhecido. Estes riscos estão frequentemente associados a problemas de saúde pública e ambientais.
Finalmente, a taxa de desconto.
«Porque de cada 1€ que podemos produzir, podemos reinvesti-lo e torná-lo em 1.1€ no futuro».
Esta afirmação implica uma série de pressupostos que confundem finanças com economia. Pressupõe que os recursos, a tecnologia, etc., são ilimitados, com poderes de ressuscitação! Mais uma vez, o que pode ser válido para uma situação particular não é generalizável a toda a sociedade. É razoável um indíviduo avaliar os “trade-offs” entre o presente e o futuro próximo. No entanto, a taxa de desconto é um instrumento originário do cálculo financeiro e está associado ao facto dos valores monetários sofrerem uma desvalorização como consequência da inflação. Frequentemente confunde-se a “riqueza” monetária com a real. Mas nem todas as coisas se desvalorizam com o tempo, bem pelo contrário.
Aqui aplica-se outro tipo de falácia designada por "fallacy of misplaced concreteness".
Como refere Daly: «[...]since abstract exchange value flows in a circle, so do physical commodities constituting real GNP. Or, since money in the bank can grow forever at compound interest rates, so can real wealth, and so can welfare»
Por outro lado, é necessário ter em conta que algumas mudanças são irreversíveis, se não agirmos preventivamente em tempo útil. Quando estamos a falar de acções que têm impacto inter-geracional, a aplicação da taxa de desconto não é legítima:
“No one individual will experience both the beginning and the end of the transaction; no one is able to make the personal judgment that the trade-off is, or is not, worthwhile”
Estes são temas complexos que não podem ser plenamente abordados em meia dúzia de linhas. Este tema da taxa de desconto merece, por si só, um "post".
Aqui podem ler mais sobre a polémica.
Ler mais...
Este livro analisa especificamente a problemática da aplicação da análise custo benefício à avaliação das leis e regulamentos que visam proteger a saúde, a segurança e o ambiente. Este ponto é muito importante. Não se trata de comparar duas opções de investimento diferentes, por exemplo. Por outro lado, é claro que nem todos os economistas seguem os mesmos métodos. Um dos autores do livro é economista, Frank Ackerman.
Passando aos comentários.
A Economia – seja a corrente neoclássica ou keynesiana - também é normativa Os pressupostos que conduzem a uma ou a outra têm subjacentes juízos de valor sobre o que se deve ou não fazer.
Infelizmente a generalidade dos economistas valoriza pouco – ou simplesmente desconhece - o contexto histórico em que muitas teorias emergem, e ganham um estatuto de verdade científica. Por exemplo, a teoria das vantagens comparativas, (supostamente “economia positiva”) de David Ricardo, que alguns consideram uma das mais brilhantes de sempre da teoria económica : “deepest and most beautiful result in all of economics” (citado por Daly) surgiu num determinado contexto (geo)político-económico. O próprio Ricardo era, neste caso, um político no sentido usual do termo, para além de ser um investidor. Além disso, era também nacionalista. A teoria que desenvolveu – aliás baseada num exemplo envolvendo Portugal – sendo brilhante, assentava sobre uma hipótese muito conveniente. Esta teoria foi muito importante para acabar com as “Corn Laws.”
"The anti-Corn Law campaign was crucially helped by the economist, politician and stock-market player, David Ricardo. Ricardo came up with the theory of comparative advantage that still forms the core of free trade theory» In “Bad Samaritans – the guilty secrets of rich nations & the threat to global prosperity"
”Neoclassical economics, with its subjectivist theory of value”
«Since the classical economists were nationalists [...]»- Herman Daly
Não se trata apenas de serem maus economistas. Os exemplos dados em “Priceless” (três significativos podem ser lidos online) não são excepções. Nesses exemplos, da vida real, demonstra-se um enviesamento sistemático para relevar os custos e subestimar os benefícios. No debate sobre os impactos económicos das alterações climáticas, economistas influentes revelam uma incompreensão impressionante sobre o tema, aplicando este tipo de análise que ignora os fundamentos da ciência. William Nordhaus (não se trata de um economista qualquer; é co-autor com Samuelson de um dos mais importantes manuais de economia) é um deles, como é o influente Larry Summers, ex-presidente de Harvard e actual presidente do Conselho Económico Nacional de Obama.
"William Nordhaus, who said that global warming would have only a small effect on the U.S. economy because basically only agriculture is sensitive to climate, and agriculture is only 3% of total value added, of gross national product.» in “Beyond Growth”
Não é preciso ser-se muito instruído para perceber o absurdo disto. Joe Romm (físico) chama a este tipo de economistas, “Voodoo Economists”, e com razão. Lomborg é outro que, não sendo economista (embora seja frequentemente referido como tal) recorre sempre a uma série deles para justificar ACB absurdamente reducionistas.
Felizmente, há excepções. Recentemente, um economista de Harvard veio admitir a incapacidade das ACB para avaliar o problema:
"Weitzman’s bottom line: If you don’t factor in plausible extreme-impact scenarios — and the vast majority of economic analyses don’t (this means you, William Nordhaus and you, too, Richard Tol — your analysis is worse than useless. It is delusional. Pretty strong stuff for a Harvard economist!”
As escolhas políticas são precisamente aquelas que não devem recorrer a análises de custo-benefício simplistas. Estas resultam, em regra, de comparações entre valores monetários. As escolhas políticas devem ter em consideração um espectro mais largo. Por isso é que são politicas! Como referem os autores de "Priceless", a política de defesa não está sujeita a uma análise estrita de custo benefício, porque o que está em causa é a segurança, e a opinião pública não aceitaria decisões tomadas apenas por esse tipo de critério.
As preferências pessoais, ou mais genericamente, o que é válido do ponto de vista individual, nem sempre pode ser extrapolado para obter preferências colectivas. Aplica-se aqui o conceito de falácia da composição.
“In 1951, Kenneth Arrow proved that the results of democratic decision making cannot be reproduced by a mathematical formula. This crucial result, known as “Arrow's Impossibility Theorem”, derailed earlier attempts by economists to represent society's choices by a “social welfare function” - a quantitative description of what society supposedly prefers. Arrow's proof has not been refuted, tough it may have been forgotten, in the rush to apply cost-benefit analysis”
Existem outros critérios, como por exemplo, a contribuição da ciência e a participação pública através do sufrágio universal (por exemplo, referendos) ou de sondagens onde cada opinião tem o mesmo valor, e não com o tipo de inquéritos típicos da ACB, como a "contingent valuation".
No entanto, os autores de “Priceless” não rejeitam totalmente as ferramentas da ACB.
"Much of the information used in an atomistic analysis would also be relevant in what we call the holistic approach, where costs as a whole (usually monetary) and benefits as a whole (often largely nonmonetary) are considered together – but are not forced to be expressed in the same units.”
O confronto entre escolhas do tipo: "imaginemos que há um medicamento que salva a vida de alguém e custa 1000€. Todos concordamos nisso. E se custar 1 milhão de euros?”, é típico. Recorre-se a casos extremos para fugir a uma análise mais fina.
«To say that life, health, and nature are priceless is not to say that we should spend an infinite amount of money to protect them.Rather, it is to say that translating life, health and nature into dollars is not a fruitful way of deciding how much protection to give to them»
Em muitos casos, o confronto é entre algo vital e algo fútil (ler exemplo do “phoneslaughter”). Andar de automóvel para tudo e para nada ou usar aquecimento em exagero para obter um conforto total é uma futilidade comparado com as consequências que advêm do “Pico Petrolifero” ou das Alterações Climáticas. No entanto, interesses instalados bloqueiam mudanças de comportamentos invocando frequentemente ACB.
O argumento do mercedes vs corsa. É verdade que as pessoas aceitam riscos, mas normalmente são riscos que elas podem controlar (as pessoas conhecem os riscos do tabaco, mas podem decidir deixar de fumar). O psicólogo Paul Slovic concluiu que as pessoas receiam mais os riscos associados ao desconhecido. Estes riscos estão frequentemente associados a problemas de saúde pública e ambientais.
Finalmente, a taxa de desconto.
«Porque de cada 1€ que podemos produzir, podemos reinvesti-lo e torná-lo em 1.1€ no futuro».
Esta afirmação implica uma série de pressupostos que confundem finanças com economia. Pressupõe que os recursos, a tecnologia, etc., são ilimitados, com poderes de ressuscitação! Mais uma vez, o que pode ser válido para uma situação particular não é generalizável a toda a sociedade. É razoável um indíviduo avaliar os “trade-offs” entre o presente e o futuro próximo. No entanto, a taxa de desconto é um instrumento originário do cálculo financeiro e está associado ao facto dos valores monetários sofrerem uma desvalorização como consequência da inflação. Frequentemente confunde-se a “riqueza” monetária com a real. Mas nem todas as coisas se desvalorizam com o tempo, bem pelo contrário.
Aqui aplica-se outro tipo de falácia designada por "fallacy of misplaced concreteness".
Como refere Daly: «[...]since abstract exchange value flows in a circle, so do physical commodities constituting real GNP. Or, since money in the bank can grow forever at compound interest rates, so can real wealth, and so can welfare»
Por outro lado, é necessário ter em conta que algumas mudanças são irreversíveis, se não agirmos preventivamente em tempo útil. Quando estamos a falar de acções que têm impacto inter-geracional, a aplicação da taxa de desconto não é legítima:
“No one individual will experience both the beginning and the end of the transaction; no one is able to make the personal judgment that the trade-off is, or is not, worthwhile”
Estes são temas complexos que não podem ser plenamente abordados em meia dúzia de linhas. Este tema da taxa de desconto merece, por si só, um "post".
Aqui podem ler mais sobre a polémica.