domingo, novembro 23, 2008

WEO 2008 - Relatório da Agência Internacional de Energia

No passado dia 12 de Novembro, a Agência Internacional de Energia (AIE – organização intergovernamental dependente da OCDE, mundo industrializado, portanto) publicou o seu relatório anual sobre as perspectivas mundiais relativas à energia (World Energy Outlook 2008 – aqui Sumário Executivo em inglês).
Este relatório marca um ponto de viragem na posição da AIE, habitualmente muito conservadora (leia-se, optimista) nas suas projecções, embora o relatório de 2007 já alertasse para os desafios do impacto da China e Índia.Até aqui, os modelos da AIE calculavam as necessidades energéticas mundiais (procura) e assumiam que a indústria envidaria todos os esforços para responder do lado da oferta, e estava o problema resolvido, como se não houvesse qualquer limite geológico. Esta lógica deriva de uma crença cega - a ideologia do crescimento - que se recusa a constatar a evidência da finitude dos recursos naturais. Claro que deriva também da necessidade de não contrariar em demasia o seu “patrão”, “dono” de um sistema capitalista voraz por recursos, muito menos nesta altura de crise! Daí uma certa esquizofrenia.
A AIE vem admitir, finalmente, que os actuais padrões de consumo são insustentáveis. São insustentáveis porque a análise que fez de cerca de 800 poços de petróleo em exploração revelam já taxas de declínio da produção significativas (entre os 6 e os 9% ano, bem mais do que o admitido até há pouco), bem como porque continuar o “business as usual” em termos de consumo energético baseado em combustíveis fósseis conduzir-nos-á a um aumento médio das temperaturas globais que poderão atingir os 6º C até final do século, o que poderia ameaçar a própria existência da espécie humana à face da Terra! Esta admissão é bastante significativa! No entanto, a esquizofrenia revela-se na medida em que este “pormenor” é rapidamente esquecido e a AIE volta, ela própria, ao “business as usual”, garantindo que há petróleo para satisfazer uma procura de 106 milhões de barris/dia (mbd) em 2030 se forem realizados os investimentos necessários (cerca de 350 mil milhões de dólares ano até 2030 - total acumulado de $8.4 biliões - 10^12 - em dólares de2007). Muitos analistas consideram estas projecções totalmente irrealistas uma vez que estimam que seriam necessárias 6 “novas” Arábias Sauditas para fornecer a diferença entre o consumo estimado até 2030 face à produção actual (cerca de 86 mbd) bem como para substituir a produção de petróleo dos actuais poços em declínio.
A actual crise económico-financeira (dificuldades de financiamento e baixa conjuntural do preço do petróleo) está já a compromenter, a suspender mesmo, investimentos em nova exploração com impacto na produção a breve prazo.
Tirem as vossas conclusões sobre o que aí vem, à luz dos acontecimentos ocorridos este ano: “lock-outs” de camionistas, aumentos dos preços dos alimentos, etc.
Como diz um analista, não se espera que a AIE desate a gritar que o "teatro está a arder!", mesmo quando é o caso. É por isso que o conhecimento geral destes problemas se torna tão importante. O que está em causa é vital! (publicado originalmente no "Quebrar Sem Partir")

2 comentários:

Miguel Carvalho disse...

Quanto à questão da energia, o "mercado" resolve-as. Que saudades que eu tenho do petróleo a 145$, quando toda a gente tinha um discurso mais racional de eficiência energética e planeamento a longo prazo. A memória é curta..

Agora os 6º é muito assustador. Muito mesmo

José M. Sousa disse...

Eu percebo a ideia, mas não podemos descartar também esse problema de uma forma tão simples. As nossas sociedades são demasiado complexas e frágeis.
Comentário (sobre relatório da AIE) na última "newsletter" da ASPO-USA que recebi :
«The world’s ability to produce or not produce 20 million b/d more oil 20 years from now could literally be a matter of life and death.»
Por um lado não devíamos produzir esse petróleo por causa das emissões de CO2, mas por outro não organizámos as nossas economias (leia-se a nossa alimentação,energia,emprego, etc.)de modo a convivermos com muito menos petróleo. É por isso que muitos alertam para a necessidade de uma mobilização para alterar o estado de coisas comparável à mobilização (em termos de planeamento económico) para a II Grande Guerra (ver mais neste blog)