Como dizia ontem na “Sky News” o ex-governador do Estado de Nova Iorque, Mario Cuomo, a reacção das autoridades americanas à catástrofe provocada pelo furacão Katrina revela o profundo desprezo da actual liderança nos EUA em relação aos deveres de Governo, ao dever de zelar pela segurança dos seus cidadãos, enfim, pelo dever de promover uma sociedade mais justa e equilibrada. Isto advém de uma ideologia ultra-liberal, tocando as raias da insanidade, que acredita ou diz acreditar que tudo, em última análise, pode ser resolvido pelo mercado. Na realidade, a ideologia encobre apenas a tentativa da apropriação por uma minoria dos recursos que deveriam ser geridos pelo Estado para o bem geral da comunidade. Exemplos desta prática não faltam, desde a utilização de mercenários na guerra do Iraque à tentativa de privatização total da Segurança Social, passando pela redução de impostos para os ricos. Há uma notável contradição com o discurso securitário a propósito da "guerra contra o terrorismo". Gastam-se milhares de milhões de dólares para se "proteger" os americanos dos terroristas, mas descuram-se os avisos sobre ameaças bem reais como aquela que agora se concretizou em Nova Orleães. Uma questão pode então levantar-se; não será o discurso securitário sobre o terrorismo apenas um bom pretexto para alcançar o tal objectivo da apropriação de recursos públicos por um grupo minoritário, nomeadamente através do reforço de verbas do orçamento para as indústrias de defesa e afins?
Por outro lado, o Presidente americano parece-se cada vez mais, num certo sentido, com uma espécie de "Ayatollah" do Ocidente. Mais do que governar, apela constantemente à compaixão e à oração; uma das primeiras coisas que disse quando se anunciava o desastre foi para que se rezasse pelas vítimas. O Presidente Pastor! Felizmente, o unanimismo e a reverência em torno da figura do Presidente parece estar a ceder.
A consequência de tudo isto, no entanto, é uma progressiva decadência da dita super potência. Sob a aparência de riqueza e incontestado domínio tecnológico, irrompe, para espanto de muitos, a miséria e a violência geralmente esquecidas pelos “media”. De repente, todos se apercebem de que, afinal, a linha entre a barbárie e a civilização é muito ténue e que o Estado tem um papel decisivo e insubstituível. Aliás, a classificação dos EUA em 10º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano, medida mais abrangente do bem estar que inclui indicadores como a saúde e a educação, apesar de ter um dos maiores PIB "per capita", é também reveladora da crescente polarização da sociedade americana.
Sem comentários:
Enviar um comentário