"Agflação" é a nova entrada para o jargão da economia. Trata-se da inflação dos preços de bens agrícolas. Há gerações que não se viam aumentos de preços desta magnitude nos mercados internacionais.
O preço dos cereais, lacticínios (o leite aumentou quase 60% nos mercados internacionais no último ano), carne, etc., têm registado aumentos significativos (aumentos percentuais de dois dígitos), segundo noticia o "The Independent", com o título "The fight for the world's food":
«[...]for the first time in generations agricultural commodity prices are surging with what analysts warn will be unpredictable consequences.»
«Rice prices are climbing worldwide. Butter prices in Europe have spiked by 40 per cent in the past year. Wheat futures are trading at their highest level for a decade. Global soybean prices have risen by a half. Pork prices in China are up 20 per cent on last year and the food price index in India was up by 11 per cent year on year . In Mexico there have been riots in response to a 60 per cent rise in the cost of tortillas.»
Podemos estar a sair da era da alimentação barata, à semelhança do fim da era do combustível barato. Aliás, existe uma relação entre os dois fenómenos. Parte deste aumento nos preços dos bens alimentares está relacionado com a explosão da procura por biocombustíveis, nomeadamente os produzidos a partir do milho, conflituando assim com a sua utilização na produção de alimentos. A maior parte do milho é utilizado como ração para animais de modo que os preços do leite, ovos, manteiga, queijo, carne, gelados, etc. são influenciados pelo preço do milho.
«While relatively little corn is eaten directly it is of pivotal importance to the food economy as so much of it is consumed indirectly. The milk, eggs, cheese, butter, chicken, beef, ice cream and yoghurt in the average fridge is all produced using corn and the price of every one of these is influenced by the price of corn.»
Outra razão para este aumento dos preços é o aumento da procura por parte de países em franco desenvolvimento económico como a China, a Índia, a Rússia, etc. Factores de ordem cultural, como por exemplo, a adopção de dietas alimentares mais "ocidentalizadas", fruto da expansão da grande indústria alimentar para países como a China, terão também o seu peso.
Este aumento de preços dos produtos agrícolas, ao contrário do que possa parecer, pode trazer benefícios para os países mais pobres, embora estas consequências não sejam automáticas e exijam alguma cautela nas análises, dada a complexidade e variedade das situações.
De modo que aqui as opiniões divergem. Por exemplo, Jean Ziegler, relator especial das Nações Unidas para o direito à alimentação teceu fortes críticas aos governos europeus e americano pela sua aposta nos biocombustíveis, acusando-os de condenar à fome centenas de milhares de pessoas.
Frei Betto, frade dominicano brasileiro, fala em necrocombustíveis, necro (que significa morte) por oposição a bio.
Lester Brown, do Earth Policy Institute, afirmou perante o Congresso Americano que o cenário estava montado para uma competição directa entre os 800 milhões de pessoas que têm automóvel e os 2 mil milhões dos mais pobres do mundo.
"The stage is now set for direct competition for grain between the 800 million people who own automobiles, and the world's 2 billion poorest people."
«Anger boiled over this week as Jean Ziegler, the UN special rapporteur on the right to food, accused the US and EU of "total hypocrisy" for promoting ethanol production in order to reduce their dependence on imported oil. He said producing ethanol instead of food would condemn hundreds of thousands of people to death from hunger.»
No entanto, os enormes excedentes agrícolas, gerados pela Política Agrícola Comum europeia e pelos apoios governamentais aos agricultores norte-americanos, foram lançados nos mercados internacionais durante décadas a preços muito reduzidos provocando a ruína dos agricultores de inúmeros países cuja principal fonte de rendimento era a agricultura.
"The stage is now set for direct competition for grain between the 800 million people who own automobiles, and the world's 2 billion poorest people."
«Anger boiled over this week as Jean Ziegler, the UN special rapporteur on the right to food, accused the US and EU of "total hypocrisy" for promoting ethanol production in order to reduce their dependence on imported oil. He said producing ethanol instead of food would condemn hundreds of thousands of people to death from hunger.»
No entanto, os enormes excedentes agrícolas, gerados pela Política Agrícola Comum europeia e pelos apoios governamentais aos agricultores norte-americanos, foram lançados nos mercados internacionais durante décadas a preços muito reduzidos provocando a ruína dos agricultores de inúmeros países cuja principal fonte de rendimento era a agricultura.
Preços mais elevados poderão contribuir para refazer muitas dessas economias. É uma das conclusões do estudo do WorldWatch Institute, intitulado Biofuels for Transport: Global Potential and Implications for Energy and Agriculture.
Acresce a tudo isto os desafios sobre a produção alimentar que as Alterações Climáticas virão trazer. Segundo a FAO, é provável o aumento do risco de fomes.
Acresce a tudo isto os desafios sobre a produção alimentar que as Alterações Climáticas virão trazer. Segundo a FAO, é provável o aumento do risco de fomes.
As mais recentes tendências da produção alimentar global também lançam alguns alertas, embora alguns não prevejam problemas de maior num horizonte mais ou menos alargado: World food trends and prospects to 2025.
Claro que numa perspectiva tecnocrática bem intencionada tudo poderia correr pelo melhor se a vontade política fosse esclarecida, se a cooperação internacional funcionasse na perfeição, se a corrupção e a ganância não existissem e se a informação/formação dos consumidores fosse perfeita em todos os cantos do mundo. São muitos ses!
Será nesta perspectiva mais ou menos tecnocrática, creio eu, que se poderá incluir este relatório da FAO, "Environment and agriculture".
Nele se analisa a urgência de conciliar as necessidades crescentes por alimentos da Humanidade (que se projecta venha a crescer 50% até 2050) com a preservação da biodiversidade e ainda com a pressão exercida sobre estes dois objectivos resultante da procura crescente por biocombustíveis. Segundo a própria FAO, são "trade-offs"/equilíbrios muito difíceis. De modo que talvez fosse mais sensato admitirmos que algo tem de mudar no "business-as-usual".