O debate sobre a energia nuclear ganhou nova actualidade um pouco por todo o mundo, incluindo Portugal. O aumento do preço do petróleo e os receios quanto à segurança do abastecimento das fontes de energia convencionais (petróleo e gás natural), por um lado, e o problema das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) associados às Alterações Climáticas, por outro, estão na origem deste ressurgimento.
Há um ponto prévio a ter em conta neste debate. Os recursos energéticos não são ilimitados e a sua utilização tem sempre alguma contrapartida. O recurso excessivo aos combustíveis fósseis está a conduzir às alterações climáticas, a energia nuclear produz resíduos que subsistem por milhares de anos, a construção de grandes barragens hidroeléctricas ou os biocombustíveis competem por terra arável com a produção alimentar, etc.
De facto, se não tomarmos consciência de que é necessário reduzir a intensidade energética e o consumo de recursos nas sociedades modernas, então todas as opções energéticas, incluindo a nuclear, serão porventura insuficientes para satisfazer a procura.
Neste contexto, os defensores da opção nuclear apresentam-na como uma alternativa segura, limpa e económica para responder às necessidades crescentes de energia nas próximas décadas.
Num estudo publicado em 2003 pelo MIT (1) intitulado “O Futuro da Energia Nuclear”, embora se defenda que a energia nuclear poderá contribuir para minorar o problema das emissões de GEE, também se diz que “Não encontrámos e, com base no conhecimento actual, não cremos ser realista esperar que venham a existir novas tecnologias de reactores e de ciclos de combustível que simultaneamente ultrapassem os problemas relativos ao custo, segurança, resíduos e proliferação”. Por exemplo, a opção tecnológica mais económica implica maiores riscos para a gestão dos resíduos a longo prazo.
A proliferação de resíduos acarreta um risco adicional, o do terrorismo internacional. Um relatório parlamentar britânico qualifica o risco de ataques terroristas “impressionante e alarmante”
Quanto à segurança, não parece haver dúvidas de que pouco evoluíu.
Do ponto de vista económico, tanto o estudo do MIT como o estudo da Shell sobre os cenários energéticos para 2050 (2) afirmam claramente que a energia nuclear não é competitiva com as fontes tradicionais num mercado liberalizado, ou seja, sem apoio estatal. É necessário ter em conta não apenas o investimento inicial, mas os custos de manutenção, os custos com o transporte, tratamento e armazenamento de resíduos, e ainda os custos com o desmantelamento ao fim de 40 a 60 anos. A energia nuclear seria competitiva apenas com uma internalização dos custos das emissões de CO2 que rondasse entre os 100-200 US$/tonelada (os valores actuais nas bolsas de transacção de carbono europeias rondam os 30 US$/tonelada). Esta circunstância, no entanto, também é válida para as fontes renováveis de geração de energia eléctrica, em que a eólica, por exemplo, já é competitiva com o gás natural, mesmo sem considerar a emissão de CO2.
O MIT afirma que melhorias nos custos da energia nuclear, embora plausíveis, não foram ainda provadas.
Uma qualidade atribuída ao nuclear, por oposição a algumas renováveis (a eólica, por exemplo) é a sua fiabilidade enquanto gerador de electricidade. O vento é instável e a energia eólica não é armazenável, ao passo que as centrais nucleares garantiriam um fluxo regular e fiável. No entanto, as necessidades de manutenção e a escassez de água (necessária para os reactores) em muitas regiões podem comprometer igualmente essa fiabilidade, como o provam as sete centrais permanentemente encerradas ao longo dos últimos dois anos em todo o mundo.
Finalmente, a questão da energia limpa e dos GEE. Como já vimos, a energia nuclear não é uma energia limpa. Os resíduos radioactivos representam um perigo permanente para a saúde pública ao longo de milhares de anos. Um destacado cientista britânico, baseado no relatório “Avoiding Dangerous Climate Change” (3), considera que uma concentração de 550 ppmv (4) (partes por milhão em volume) de CO2, que serve de base , por exemplo, para os cenários da Shell, acarretaria consequências catastróficas para os ecossistemas. A energia nuclear poderia contribuir para alguma redução na emissão de CO2, mas essa redução teria um impacto limitado (700 novos grandes reactores reduziriam em apenas 1/7 os GEE para estabilizar as emissões em 500 ppmv (5)) e a partir de certo limiar (que se prende com a mineração do urânio) essa vantagem poderia ser anulada por comparação com fontes de produção convencionais, como o gás natural(6). Por outro lado, estimativas oficiais prevêem um acréscimo de apenas 5% na produção de electricidade via nuclear até 2020 a nível mundial para um acréscimo de consumo que poderá ir até 75%. Até lá, pelo menos, outras respostas teriam que ser encontradas para o problema dos GEE.
É preciso sobretudo reduzir as emissões dos transportes e aí a energia nuclear nada adianta.
A conservação e eficiência energética têm que ser a principal aposta. A eficiência pode duplicar, simplesmente pela aplicação de tecnologias já existentes. Outros estudos sugerem uma melhoria por um factor de 4 ou mais. Sistemas de produção de energia eléctrica descentralizada, a antítese do nuclear, como a microgeração de energia (7) utilizando a eólica e o solar, entre outras, têm grande potencial e constituem já parte da estratégia energética, por exemlo, do Reino Unido. Os governos têm aqui um papel importante no sentido de estimular mudanças, através da I&D ou da fiscalidade.
Enfim, existem muitas opções bem mais sustentáveis que o nuclear. Por isso é importante promover o debate público e uma certa pedagogia quanto ao uso da energia.
1 Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA) “The Future of Nuclear Power” 2003
2 Energy Needs, Choices and Possibilities, 2001
3 Avoiding Dangerous Climate Change
4 actualmente rondam os 379 ppmv, com as consequências que já se notam
5 Worldwatch Institute
6 Estudo sobre emissões de CO2 ligadas à produção de energia nuclear
7 Estratégia para a Microgeração de Energia - Reino Unido
Artigo publicado originalmente no Jornal Esquerda nº 10, pág. 12 PDF
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Há um ponto prévio a ter em conta neste debate. Os recursos energéticos não são ilimitados e a sua utilização tem sempre alguma contrapartida. O recurso excessivo aos combustíveis fósseis está a conduzir às alterações climáticas, a energia nuclear produz resíduos que subsistem por milhares de anos, a construção de grandes barragens hidroeléctricas ou os biocombustíveis competem por terra arável com a produção alimentar, etc.
De facto, se não tomarmos consciência de que é necessário reduzir a intensidade energética e o consumo de recursos nas sociedades modernas, então todas as opções energéticas, incluindo a nuclear, serão porventura insuficientes para satisfazer a procura.
Neste contexto, os defensores da opção nuclear apresentam-na como uma alternativa segura, limpa e económica para responder às necessidades crescentes de energia nas próximas décadas.
Num estudo publicado em 2003 pelo MIT (1) intitulado “O Futuro da Energia Nuclear”, embora se defenda que a energia nuclear poderá contribuir para minorar o problema das emissões de GEE, também se diz que “Não encontrámos e, com base no conhecimento actual, não cremos ser realista esperar que venham a existir novas tecnologias de reactores e de ciclos de combustível que simultaneamente ultrapassem os problemas relativos ao custo, segurança, resíduos e proliferação”. Por exemplo, a opção tecnológica mais económica implica maiores riscos para a gestão dos resíduos a longo prazo.
A proliferação de resíduos acarreta um risco adicional, o do terrorismo internacional. Um relatório parlamentar britânico qualifica o risco de ataques terroristas “impressionante e alarmante”
Quanto à segurança, não parece haver dúvidas de que pouco evoluíu.
Do ponto de vista económico, tanto o estudo do MIT como o estudo da Shell sobre os cenários energéticos para 2050 (2) afirmam claramente que a energia nuclear não é competitiva com as fontes tradicionais num mercado liberalizado, ou seja, sem apoio estatal. É necessário ter em conta não apenas o investimento inicial, mas os custos de manutenção, os custos com o transporte, tratamento e armazenamento de resíduos, e ainda os custos com o desmantelamento ao fim de 40 a 60 anos. A energia nuclear seria competitiva apenas com uma internalização dos custos das emissões de CO2 que rondasse entre os 100-200 US$/tonelada (os valores actuais nas bolsas de transacção de carbono europeias rondam os 30 US$/tonelada). Esta circunstância, no entanto, também é válida para as fontes renováveis de geração de energia eléctrica, em que a eólica, por exemplo, já é competitiva com o gás natural, mesmo sem considerar a emissão de CO2.
O MIT afirma que melhorias nos custos da energia nuclear, embora plausíveis, não foram ainda provadas.
Uma qualidade atribuída ao nuclear, por oposição a algumas renováveis (a eólica, por exemplo) é a sua fiabilidade enquanto gerador de electricidade. O vento é instável e a energia eólica não é armazenável, ao passo que as centrais nucleares garantiriam um fluxo regular e fiável. No entanto, as necessidades de manutenção e a escassez de água (necessária para os reactores) em muitas regiões podem comprometer igualmente essa fiabilidade, como o provam as sete centrais permanentemente encerradas ao longo dos últimos dois anos em todo o mundo.
Finalmente, a questão da energia limpa e dos GEE. Como já vimos, a energia nuclear não é uma energia limpa. Os resíduos radioactivos representam um perigo permanente para a saúde pública ao longo de milhares de anos. Um destacado cientista britânico, baseado no relatório “Avoiding Dangerous Climate Change” (3), considera que uma concentração de 550 ppmv (4) (partes por milhão em volume) de CO2, que serve de base , por exemplo, para os cenários da Shell, acarretaria consequências catastróficas para os ecossistemas. A energia nuclear poderia contribuir para alguma redução na emissão de CO2, mas essa redução teria um impacto limitado (700 novos grandes reactores reduziriam em apenas 1/7 os GEE para estabilizar as emissões em 500 ppmv (5)) e a partir de certo limiar (que se prende com a mineração do urânio) essa vantagem poderia ser anulada por comparação com fontes de produção convencionais, como o gás natural(6). Por outro lado, estimativas oficiais prevêem um acréscimo de apenas 5% na produção de electricidade via nuclear até 2020 a nível mundial para um acréscimo de consumo que poderá ir até 75%. Até lá, pelo menos, outras respostas teriam que ser encontradas para o problema dos GEE.
É preciso sobretudo reduzir as emissões dos transportes e aí a energia nuclear nada adianta.
A conservação e eficiência energética têm que ser a principal aposta. A eficiência pode duplicar, simplesmente pela aplicação de tecnologias já existentes. Outros estudos sugerem uma melhoria por um factor de 4 ou mais. Sistemas de produção de energia eléctrica descentralizada, a antítese do nuclear, como a microgeração de energia (7) utilizando a eólica e o solar, entre outras, têm grande potencial e constituem já parte da estratégia energética, por exemlo, do Reino Unido. Os governos têm aqui um papel importante no sentido de estimular mudanças, através da I&D ou da fiscalidade.
Enfim, existem muitas opções bem mais sustentáveis que o nuclear. Por isso é importante promover o debate público e uma certa pedagogia quanto ao uso da energia.
4 actualmente rondam os 379 ppmv, com as consequências que já se notam
Artigo publicado originalmente no Jornal Esquerda nº 10, pág. 12 PDF